
Apertou os olhos e viu, finalmente, o nome dele, a lhe chamar insistentemente...
Fernando...
No modo silencioso, o celular não vibrava e não emitia som algum. Mas aquela luz, piscando, e mostrando aquele nome, antes tão querido, deixou-a hipnotizada por alguns momentos.
Em segundos que lhe pareceram eternos, lembrou-se do momento mágico em que o conheceu...
Lembrou-se de quanto tempo levou para que ele a conquistasse.
Da aflição por não amá-lo ainda tanto quanto ele dizia amá-la...
Lembrou-se de como as coisas foram acontecendo, até que ele se fez tão importante em sua vida e de quanto o quis e de quanto o amou... infinitamente!
Da alegria indescritível de dividir sonhos, planos, projetos, confidências, um amor incomensurável e toda uma vida com alguém tão especial!
Lembrou-se das atitudes dele, incoerentes com suas palavras e juras de amor eterno...
Da angústia pelos momentos de dúvidas e pela insegurança que os atos dele lhe proporcionaram.
Lembrou-se da tristeza que enchia seu coração quando procurava se afastar dele, temendo um sofrimento maior...
Do quanto sentia falta de, ao menos, ouvir sua voz!
Lembrou-se de como seu coração se aquecia quando ele a procurava e lhe dava explicações convincentes, jurando novamente, e novamente, e novamente que ela era o verdadeiro, único e grande amor de sua vida!
Da alegria de ser tão amada e da certeza de que só com ele poderia existir felicidade!
Lembrou-se de como se sentiu injusta por não ter confiado nele...
Do peso na consciência. E da sensação boa de se acreditar cegamente em alguém!
Lembrou-se...
Da decepção arrasadora quando descobriu, enfim, que não era nem nunca fora única (e nisso, o que doía mais não era a falta de exclusividade, claro, mas a mentira!)... quando descobriu seus outros amores (tantos!)... que ela era só mais uma... que era alguém que não tinha, na verdade, nenhuma importância na vida dele...
Da dor de um sonho desfeito...
Lembrou-se...
Que ainda tentou manter-se próxima, no fundo procurando um motivo... esperando que, apesar da incontestável realidade dos fatos, ele tivesse alguma explicação lógica que a convencesse e que mostrasse o quanto fora injusta com ele...
Da esperança de viver aquele grande amor intensamente...
Mas ele não tinha mais desculpas dessa vez. Tudo já havia sido dito, e havia fatos...
e fotos! E então, a cada questionamento dela, tudo o que ele podia oferecer eram silêncios... E os contatos foram se tornando cada vez mais escassos... os silêncios cada vez mais prolongados... e os períodos de afastamento, cada vez maiores.
Ainda havia noites em que ela sonhava com ele. E ligava pra ele, às seis da manhã, à meia-noite, às três horas da madrugada... no início conversavam, depois ela apenas ligava para ouvir sua voz distante dizendo “boa noite” e desligava rapidamente... até que não ligou mais, quando viu que nada mudava e que para ele estava cômoda aquela situação de tê-la sempre a disposição, e mais quantas mulheres o quisessem. Não mandou mais mensagens para ele nem respondeu as dele. Ele não reclamou. Apenas silenciou também. E ela foi se acostumando com aquele vazio doloroso que lhe comprimia o peito. Acostumando-se com a ausência dele...
Apertou os olhos novamente e olhou para o homem deitado ao seu lado na cama. Arthur. A respiração dele era pesada. Passou a mão pelos cabelos dele, acariciando-os. Ele sorriu, sem abrir os olhos, pegou a mão dela e beijou. Voltou a ficar com a respiração pesada, mas não largou sua mão.
Ela lembrou-se, então, da importância do amor de Arthur em sua vida. Sua presença, seu carinho, seu companheirismo. De como ele chegou quando ela mais precisava. Arthur não lhe fizera muitas perguntas. Não queria saber quem era o homem que tanto a fizera sofrer. Só queria estar ao seu lado. Enxugar suas lágrimas. Confortá-la. Amá-la. De verdade. E amar somente ela - pelo menos enquanto estivessem juntos. Essa era a diferença! Ele não prometia amá-la para sempre, nem fidelidade cega... mas ela sabia que, enquanto estivessem juntos, ele realmente lhe dedicaria um amor infinito! E depois de muito relutar – o eterno medo do sofrimento! – ela finalmente deixou-se amar por ele...
A respiração de Arthur tornou-se mais profunda e ela imaginou o quanto ele deveria estar cansado!
Ele chegava todos os dias às 20 horas. Hoje, no entanto, às 20:15h ainda não havia chegado. Foi quando seu celular tocou. Era Arthur, dizendo que iria se atrasar. Ela imaginou que era culpa do trânsito da sexta-feira, sempre mais intenso. No entanto, quando Arthur chegou, às 21:30h, trazia uma sacola nas mãos.
– Para você. – ele disse – Por isso demorei. Não é época, então foi difícil encontrar. Demorei para escolher também, porque não estavam muito bonitas.
A sacola estava cheia de jabuticabas. Não estavam muito bonitas mesmo, mas para ela eram perfeitas!
Balançou a cabeça pensando no que havia acontecido: na hora do almoço, como sempre, ele havia ligado para ela, para saber se estava tudo bem. E ela havia dito que estava com uma vontade imensa de comer jabuticabas. Sabia que não era época, não imaginou que ele procuraria e compraria. Mas ele fez. Porque, ele diria mais tarde, nada o fazia mais feliz que ver o sorriso dela. Porque – também palavras dele – o sorriso dela iluminava o mundo dele...
Por isso a respiração dele estava tão pesada. Havia sido um dia muito cansativo no trabalho, e ele ainda se preocupava em agradá-la.
O celular continuava piscando, ela fechou os olhos e adormeceu rapidamente. Sonhou que nadava em uma piscina de jabuticabas. As frutas eram limpas e macias. O cheiro delicioso e o toque macio das jabuticabas em sua pele faziam bem, e ela ria muito enquanto nadava. Deixou-se ficar ali, sorrindo, deitada de costas, balançando suavemente os braços...
Despertou novamente, porque a luz do celular batia diretamente em seus olhos. Ele ainda chamava, e o nome de Fernando insistia em aparecer na tela.
Pensou no que ele poderia querer lhe dizer. Pensou que, talvez, ele quisesse tê-la de volta. Talvez quisesse, finalmente, viver aquele grande amor, que ambos sonharam. Pedir a ela mais uma chance para, finalmente, fazê-la feliz. Ou para se fazerem felizes.
Ela olhou para Arthur. Pegou o celular. A chamada havia se encerrado e apareceu na tela do celular:
37 chamadas não atendidas. Ela estava pensando em como alguém poderia fazer 37 chamadas, a não ser que fosse para uma pessoa com quem realmente se importasse, quando o celular voltou a piscar, com uma nova chamada dele.
Ela sorriu. Desligou o celular. E pensou que amanhã, logo cedo, iria se desfazer do chip de seu celular e comprar outro... queria ter outro número. Pensando bem, talvez se desfizesse até do celular, que já estava bem velhinho. Isso, claro, depois de acordar Arthur com um café da manhã delicioso e muitos beijinhos e carinhos (
y otras cositas más!!)... e depois de comer mais um pouco daquelas jabuticabas, as mais deliciosas que já havia provado em toda a vida!!
^^
Hélia