
Ela é como o urso panda, está quase extinta do planeta.
Quando alguém a ouve dizendo “sou mulher de um homem só”, corre para o celular mais próximo e chama a imprensa para documentar. Quem é, afinal, essa mulher tão rara?
A mulher de um homem só casou virgem com um escritor que detesta badalação. A última festa a que ele compareceu foi a do seu próprio casamento, a contragosto. Ele só gosta de música barroca, uísque e poesia. Não quis ter filhos. É um homem terrivelmente só que se casou apenas para que alguém cozinhasse para ele, pois odeia restaurantes.
A mulher do homem só tenta animá-lo. Convida-o para subir a serra e comer um fondue. O homem faz que não com a cabeça. A mulher convida para ir a uma festa de antiguidades. Ele dá um sorriso sarcástico. Ela convida para um teatro. Ele pega no sono antes que ela diga o nome da peça.
O homem só gosta de ficar em casa. Não vai ao cinema, nem aos parques, nem a bares. Não visita ninguém. Não votou nas últimas eleições. Não comparece às reuniões de condomínio. Tem alergia a gente.
A mulher do homem só tentou festejar os 50 anos dele. Convidou os poucos conhecidos do marido: um irmão, o editor e a mulher deste. Comprou cerveja, colocou o cd do Paulinho da Viola e flores nos vasos. Os convidados chegaram e se foram sem ouvir a voz do homem só. Ele apenas resmungou um obrigado quando recebeu um livro do editor e disse qualquer coisa inaudível ao ganhar meias do irmão. Passou calado a noite inteira. Quando pediu licença para ir ao banheiro, não voltou mais.
A primeira vez que a mulher do homem só disse “sou mulher de um homem só” foi para o motorista de táxi, que ficou muito impressionado. Ela era jovem, bonita, mas tinha uma tristeza comovente no olhar. Era a última corrida dele e, impulsivamente, convidou-a para uma caipirinha. Ela aceitou e, pela primeira vez em muitos anos, teve uma noite animada!
A segunda vez que ela disse “sou mulher de um homem só” foi para o vizinho do sexto andar. Estavam sozinhos no elevador e ele fingiu não ouvir. Nunca haviam trocado um bom dia, quanto mais uma confidência. Mas ela repetiu: “sou mulher de um homem só”. Dessa vez falou de um jeito tão carente que ele se viu obrigado a tomar uma providência. O sexto andar acabou mal falado no prédio.
A mulher do homem só, então, passou a ter a agenda cheia: o professor de computação, o gerente do banco, o dono do posto de gasolina. Vivia pra cima e pra baixo com seus novos amigos: cinema, shopping, vernissages. Não corria o risco de encontrar o marido em nenhum desses lugares.
Começou a usar decotes, maquiagem e ria alto. Nunca se sentira tão feliz. Surgia cada dia com um parceiro diferente nas festas, nas inaugurações de lojas, nos passeios pelo mercado público. Ganhou má fama. E quanto mais o povo falava, mais ela desdenhava.
Ninguém fazia a mínima idéia do que era ser a mulher de um homem só!
(Martha Medeiros – A mulher de um homem só)
Queria postar esse texto há um tempão... gosto muito (li há muitooos anos)!! Mas não achava de jeito nenhum e quando achei não dava pra copiar e colar... E a preguiça de digitar?? rsrs
Mas venci a preguiça e aí está ele...
Enfim...
Por isso que eu nunca quis ser mulher de um homem só!! Não é nada fácil...
^^
Hélia